Farol do Macúti, Beira

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Wednesday, August 31, 2011

2M, Deuxième Génération



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Alberto Paringofa

Ultimamente um debate tem vindo a despertar o meu interesse: o papel da juventude na sociedade actual, ou algo parecido, mas que tem como epicentro o papel e ou contributo da juventude nas tarefas actuais da nossa sociedade (politicamente falando).

Os jovens de hoje são livres, bastante até, têm grandes e melhores oportunidades, relativamente aos de outras épocas. Não passam por necessidades como nós, outros passamos. Têm naturalmente as suas dificuldades e os seus problemas, o maior dos quais uma crise identitária enorme.

Sem querer generalizar ou defini-los, na minha percepção vejo-os como filhos bastardos de uma revolução dilacerada e uma democracia incógnita. Os jovens de hoje são reféns de uma pseudoliberdade pessoal que lhes permite resolver questões de forma ad hoc e com resultados imediatos.
Há-de ser provavelmente a mais etílica das gerações moçambicanas. Bebem do amanhecer ao entardecer. Os seus programas mais interessantes são os que envolvem álcool e mulheres. Cantam e veneram o vício. Quando não são bem sucedidos culpam o Governo que não dá oportunidades ou coitados dos pais que já sofreram tudo o que tinham que sofrer neste mundo.

A sua percepção e filosofia de vida se limita a resolver os problemas pessoais a qualquer preço, género carro, boa vida, mulheres e dinheiro a qualquer preço. Limitantes morais? Éticas? Religiosas? Totalmente uma completa miragem e utopias, numa personalidade mais americana que os próprios americanos.

É um exercício inglório procurar referências morais ou éticas (regra quase geral) em indivíduos que renegam as suas origens culturais e condição. Detestam ser pobres (positivo: óptimo princípio para procurar enriquecer. Negativo: fazem literalmente de tudo para o não ser).

Culturalmente alimentam-se de subprodutos compactados em programas de televisão, ou à imagem de uma opulência fictícia da ribalta do estrelato internacional. Valorizam o imediato, justificam e glorificam o crime (não perdem uma oportunidade para “dar uma cabeçada” ou “partir o olho” a um matreco honesto qualquer ou a quem quer que seja, parente, amigo, colega desde que lucrem com isso.

Em termos comportamentais é uma geração indisciplinada na verdadeira asserção do termo. Desregrada por natureza e de uma rebeldia estúpida que raia a falta de respeito e o ilícito (idolatram o bandido, o artista está fora de moda). São verdadeiros kamikazes sexuais apesar da torrente de informação que consomem, em alguns casos disseminam, acerca da pandemia do século.

Não respeitam os mais velhos, pais, avós, professores, colegas, o Código de Estrada, o semáforo, a polícia, para falar a verdade não respeitam nada, nada mesmo a não ser o seu estúpido ímpeto de pseudoliberdade e de independência que mais lembra um estouro de bisontes que corre velozmente para o precipício. Stampede

Mea Culpa


Sou professor, pobre de mim, faço parte do melhor país do mundo, país de virtudes e virtuosos, bons políticos, bons empresários, povo simpático uma comunidade internacional maravilhosa. O melhor Estado do mundo, O paradigma do impoluto. As instituições mais sérias são as nacionais, os políticos mais sérios e preocupadíssimos com a astronómica pobreza nacional (nota-se pelas naves espacias em que se fazem transportar).

Ùltimamente tenho cobrado dinheiro para os alunos passarem, não me levem a mal, o meu salário é processado a cada 45 dias, as minhas contas a cada 30 dias. Prometeram que continuaria a estudar, ainda não chegou a minha vez, acredito que virá depois da vez dos filhos e irmãos de Sua Excia. o Ministro da Educação. A ONP não resolve os meus problemas, apenas convoca-me para a deposição de flores numa praça qualquer a cada 12 de Outubro. Que fazer ainda é uma organização democrática de massas, um dia vai mudar, tal como o meu salário.

Ando cabisbaixo, envergonhado, acho que todos já descobriram que o que acontece de mal no país é por minha culpa. As cidades estão porcas, as estradas estão arrumadas nos buracos. A água está disciplinada, sai apenas de madrugada. As alfândegas são a instituição mais séria que existe, os processos são tratados por qualquer agente. Há desvios de fundos, as cadeias estão superlotadas, minha culpa, não soube ensinar as pessoas a serem honestas. Os deputados insultam-se no parlamento e é minha culpa não os soube ensinar a ser pessoas. Os polícias não são honestos, minha culpa, não os ensinei nada sobre honestidade. Um ministro nomeiou inspector, um director provincial que cobrava coimas, coitado se o tivesse ensinado que é errado promover ladrões não o faria.

Para algumas pessoas o Estado trabalha para elas, não as ensinei que deveriam trabalhar para o Estado. Carros, casa, rancho mensal, telefone, escola da mulher e filhos o Estado paga. Culpa minha, não ensinei a viver do próprio suor (aliás não suam sequer, têm ar condicionado pago pelo estado).

Há-de convir a qualquer um, espero, aliás já sabem, que eu sou a nódoa no pano. Para que o país floresça e caminhe rumo á eliminação da pobreza absoluta, ao desenvolvimento, harmonia e paz efectiva, nada me resta senão extinguir-me, elimino o mal pela raíz. Não haverá mais roubos ou atropelos a norma que seja. Tudo andará sobre os carris. Extirpado o mal que sou. Mea culpa, mea massima culpa.

O País que Mia




1.      Este é um país de gatos, gatinhos e gatões, uma maior que outro, felinos, lânguidos, preguiçosos e traiçoeiros. De diferentes cores e raças, mas gatos, andam devagar, não têm pressa, ficam horas e horas a lamber a patas, alisar os bigodes, e lançar longos e prazeirosos bocejos. Não trabalham, ficam à sombra à espera de que algo caia nas suas bocas e encha as suas panças felinas. Não admira que as cidades estejam cheias de ratos, sim os ratos roeram quase tudo...

2.      Miam por tudo e por nada, aliás miam de acordo com a sua especialidade, há os músicos que miam porque não lhes dão violas, cordas, palco e dançarinas para poderem cantar, ás vezes miam porque não têm inspiração para nada, a culpa não é sua, são gatos músicos e devem ser criadas condições para poderem cantar, quem sabe um projecto do Banco Mundial... Há gatinhos, mais ágeis e muitas vezes pueris, reclamam que não há condições para continuarem os estudos, esquece-se das violentas e bem regadas pândegas que frequentavam quando deviam estudar, aliás, a partir de certa altura já não era necessário, bastava untar com mel certas bocas. Poderia descrever mais tipos de gatos e gatas naturalmente, mas como já se sabe, à noite todos gatos são pardos.

3.     Pardo por pardo, quando se trata de diversão todos os gatos demonstram que são criativos, movem todas as latas da cidade, arranjam meios, divertem-se à grande e à francesa, ou deveria antes dizer à moçambicana? É surpreendente a forma como eles aos fins-de-semana abandonam o ar lânguido e preguiçoso para se tornarem em autênticos gatos, desdobram-se em festas, festinhas e festanças, tudo serve como pretexto para um copo, até nas festas de gatinhos rolam rios e rios de álcool, quantidades astronómicas de alimentos. É há gatos e gatos.

4.  Segunda-feira volta tudo ao normal, as mesmas lamentações dos gatos, gatinhos e gatões, não há condições para fazer nada é difícil trabalhar, não há orçamento etc, etc, etc, aliás miau, miau, miau, coisas de gato.

Será que um dia o país vai rosnar?

Monday, August 29, 2011

Afro Americanos ou Pretos?

Sobre a designação "afro-americanos" tenho estado a pensar, e muito (olhem que não sou pessoa de queimar células durante muito tempo) por isso recorri ao (grátis) Wikipedia  que late: "Afro-americano, ou africano-americano, é uma das designações oficiais para os cidadãos dos Estados Unidos da Américadescendentes de africanos. Esta designação só começou a ser utilizada nos anos 80, quando o movimento da consciência negra passou a adotar uma política de união de toda a diáspora africana.
Outra designação considerada politicamente correta é a da cor negra, o termo em língua inglesa black. Já o termo negro (que se pronuncia /'nigrou/) era o termo usado antes dos anos 60, mas atualmente tem uma conotação pejorativa. No censo de 2010, quase 40 milhões de americanos declararam ser negros, afro-americanos ou negros hispânicos."

Pessoalmente acho a designação um auto insulto, para se ser Africano a pessoa deve antes de mais ter uma relação de sangue com África, identificar-se com os seus hábitos, culturas costumes e gentes, ou na pior das hipóteses ser descendente directo das suas gentes.
As auto referidos como Afro-americanos de africanos têm apenas a tez escura, que não é apenas algo das gentes de África. Não conhcem as culturas, tradições das suas gentes muito menos falam as sua línguas. porque não chamar preto?
Considerando a sua origem como devemos chamar a esposa do princípe Alberto de Mónaco uma afro-americana?

A Casa Incendiada ou a Casa Inflamável?

Michael Weiss, Director de Comunicações da Henry Jackson Society de Londres, em artigo publicado no El País (espanhol, suponho). Faz referência, sobre os motins de Londres à existência de um grupo (homogéneo) de agitadores. 

Na minha modesta análise, de Terceiro Mundista,  vejo mais do que uma turba...vejo duas turbas com ligações e relações muito estreitas e umbilicais... Um grupo composto por excluídos sociais, e outro grupo composto por jovens enraivecidos, numa espécie de febre Robin Hoodiana ao avesso que partia montras e roubavam para si (pobres).

Ora, o entendimento e a percepção das origens dos riots passa, necessáriamente, pelo entendimento da natureza dos seus perpetradores... uma análise minuciosa das pessoas que compunham os grupos de agitadores. Assim ao estilo de Horatio Caine... ir fundo à natureza, comportamento e atitudes dos manifestantes.

Reduzí-los a uma turba agitadora encurta as possibilidades de análise do fenómeno e pior... cega as autoridades de uma atitude mais proactiva: Eliminar as causas sociais, ou de outra natureza, das violentas manifestações... e mais: vandalismo não é monopólio do 3.º Mundo...
Allez!!!

Monday, April 18, 2011

ONG's: As Novas Caravelas

Muito tem-se falado da cooperação entre povos e estados. A globalização a que muito se faz referência sempre existiu entre as nações e culturas no mundo. Sucede porém que algumas das nações mais ricas sempre desvirtuaram esta relação, transformando-a em relações desiguais e dominadoras das nações mais fraca e aparentemente pobres.

Sem querer recorrer aos compêndios da História Universal, principalmente porque se referem a coisas que não vivi, e não posso testemunhar, sem ser por Vou falar de algo que assisti e vivi, o que me permite escrever estas linhas sem ter necessidade de citar a ninguém, por isso me sinto seguro e confiante no que escrevo. Não duvido dos factos, personagens da História, simplesmente acho que hoje não me ajudariam muito.

Depois das independências, principalmente a partir da década setenta e durante a década oitenta as relações entre os povos eram de certa forma caracterizadas por algum entendimento entre os respectivos estados e povos. As relações com a África não eram excepção, aconteciam debaixo deste manto de graças da igualdade e respeito mútuo. Os problemas africanos na altura eram, imagine-se, os mesmos de hoje, de certa forma os africanos eram parte da solução dos seus problemas e nunca o problema de per si.

Em África, depois das independências, salvo raras excepções de países como Angola, Moçambique, o Chade, a Namíbia, a RSA, o Sahara Ocidental onde a existência de conflitos activos impediam o gozo pleno da autodeterminação o resto do continente vivia a Paz dos Anjos ou melhor a Paz dos Espíritos.

Com ou sem desvios, os problemas e necessidades básicas foram de alguma forma atendidos e supridos pelos novos governos: as taxas de escolarização e de acesso aos cuidados primários de saúde subiram. Efectivamente as taxas de analfabetismo e de mortalidade materna e infantil desceram. Os novos poderes cumpriam o seu papel (?). Nessa altura África era parte do 3.º Mundo, como o eram grande parte da América Latina e Ásia.

Naquela época as relações entre os governos africanos e seus pares europeus (principalmente) seguiam as normas aceites no concerto das nações. Em África cidadãos europeus trabalhavam ombro a ombro com os seus colegas africanos em relações de respeito, apesar de existirem algumas diferenças baseada e justificadas na diferença de condições entre a África e o país de origem. Apesar das diferenças os europeus aceitavam e respeitavam as diferenças e aceitavam a nossa condição de países soberanos e independentes.

No final da década de oitenta, num processo geralmente associado ao desaparecimento da URSS e final da Guerra Fria, o mundo acordou para uma nova era nas relações mundiais, a Ásia experimentou um boom económico, os Tigres, a Índia e o Paquistão, a China... ah! essa inventou um esquema que mistura Deus e o Diabo. Os ventos da mudança que sopraram depois da Guerra Fria não chegaram ao continente negro, em seu lugar foi-lhe imposta uma nova maneira de viver, a democracia e o pluralismo como condição sine qua non para o desenvolvimento. Se não foi imposto à Ásia, América Latina porque precisávamos nós africanos de condições?

No final da Guerra Fria a natureza das relações com a África e o mundo mudaram. Novos fenómenos e elementos surgem na relação. No início e a pretexto de ajuda da crise humanitária causada pelas condições atmosféricas adversas (a queda irregular de chuvas na região Austral, a desertificação do Sahel e a fome na Etiópia), por conflitos políticos (Moçambique, Angola) o continente ficou pejado de prestativas e solícitas agências de ajuda (ONG’s) que em muitos casos nada mais faziam que calcorrear de aldeia em aldeia, nas regiões em conflito agiam com uma imunidade no mínimo, tirando fotos e tomando notas que não partilhavam com os governos locais.

É importante referir que depois desta primeira vaga, que acontece logo após à queda da URSS as relações entre África, Europa e América entraram numa nova fase: O tom dos segundos tornou-se áspero e sobretudo autoritário e passaram a condicionar a sua ajuda: mudem isto, mudem aquilo, privatizem, façam eleições, sejam democratas... as exigências são entregues à África por instituições aparentemente neutras (o Fundo Monetário Internacional/Banco Mundial) que se converteram numa espécie de novos colonizadores para os países mais pobres, pois a partir desta fase são eles quem determina o que se faz e quando nos países pobres.

É neste contexto que acontece a segunda vaga, mais autónoma, maior e mais diversificada das solícitas organizações cujos membros, munidos de computadores e internet governam paralelamente com os seus estados de origem as nossas vidas e os nossos países. Estes grupos de pessoas que não respeitam as nossas tradições, cultura, a terra, as nossas autoridades, tal como há quase seis séculos os seus antepassados munidos da Bíblia e da Cruz o fizeram, são nada mais nada menos que os novos missionários de novas e modernas caravelas que se chamam ONG’s que uma vez mais a pretexto de ajudar, querem e estão a inaugurar uma nova era de domínio sobre a África e as suas gentes.

God Bless Africa! Which God Anna?

Wednesday, April 6, 2011

O paroxismo do absurdo. Somos responsáveis pela situação actual (2009). Em nome de não sei o quê, que vem de onde tratamos os nossos filhos de uma maneira perigosamente leviana, promíscua e irresponsável. 1. Não há nenhuma fronteira entre os pais e as crianças. Tratamos os nossos filhos como iguais: Belo! Os nossos filhos não têm essa perspectiva, assumem-se iguais a nós. Consequência: faltam respeito aos mais velhos, incluindo a nós; 2. Não as castigamos, conversamos com elas: Óptimo! Resultado. Sempre que precisamos de algo deles (bons resultados na escola, bom comportamento, respeito etc., etc.) recebemos em troca uma boa conversa.

Os castigos corporais, repreensões e outras medidas severas que nossos pais/avós nos aplicaram desde a nossa à adolescência contribuíram para a nossa personalidade e fortaleceram-nos o carácter. Hoje, em nome da modernidade, das novas correntes psicossociais e educacionais dirão que não é necessário esta hierarquização da família. É algo retrógrado, ultrapassado. Em nome da modernidade desapareceram, literalmente, as fronteiras entre as gerações os laços, as estruturas e normas familiares e de grupo não fazem nenhum sentido. Hoje na relação entre adultos e crianças apresentam-se da seguinte forma: adultos têm deveres e obrigações para com as crianças; as crianças têm apenas direitos nenhuns deveres e obrigações.

Mea culpa! Mea massima culpa! A modernidade é um desafio permanente. Não pode ser tomada sem preparo, as sociedades mais desenvolvidas mantêm algumas características imutáveis ao longo dos anos. A educação é uma delas. Por via da educação, uma sociedade, no conjunto das demais iguais ou concorrentes, se afirma e se perpetua como grupo. E
m qualquer período histórico a
s sociedades menos instruídas e pouco educadas são as mais atrasadas. Elas são conhecidas por comportamentos pouco civilizados e bárbaros.  Liguem as televisões e confiram.

Monday, April 4, 2011

Estou sem sono. São duas horas da madrugada, escuto música escrevo e de vez em quando jogo paciência. Estou sem sono. Grande novidade, a insónia é um dos meus grandes defeitos. Lá fora sopra e chove ocasionalmente. Brinco à polícia e ladrão com os mosquitos, apanho uns e outros apanham-me a mim.


Outros dormem, apenas eu e os músicos estamos acordados, dezenas deles, alguns já falecidos, mas hoje estão acordados e segredam-me os seus sucessos musicais. Babsy Mlageni, Steve Kekana, Mparanyana, Ladysmith & Black Mambazo, Osibisa, Ther Movers, Soul Brothers e muitos mais, mais recentes. Mas os antigos causam mais efeito. Às vezes fico com a impressão que o mecanismo da memória tem um interruptor: a música, que faz aparecer num ápice uma série de acontecimentos da vida das pessoas depositadas nos arquivos da memória. Quando escutamos certa música, os eventos passados despertam e lembramo-nos deles, algumas vezes reaparecem bastante nítidas, outras com partes mutiladas.

É surpreendente o que a música pode fazer com um tipo. Vêem-me à memória situações antigas, algumas desfilam como se tivessem acontecido na última tarde antes desta madrugada. Cenas passadas na minha infância, meus amigos, inimigos, com alguns dos quais ainda mantenho algum contacto. Outros, outros mesmo que quisesse. Porque, naturalmente (?) cada um seguiu o seu caminho, diferente do meu. Outros porque simplesmente (?) morreram, quem sabe talvez quando partir desta para outra.

Sinto saudades de todos eles. Dos bons, dos maus. Sinto saudades da minha infância, do meu quarto, da casa dos meus pais, do quintal, da minha rua, do meu bairro, da minha cidade. Do cheiro da comida às doze horas. Sentia o cheiro à comida e mesa posta desde a minha escola Colégio Nossa Senhora dos Anjos na Ponta-Gêa, onde brincava (estava no Infantil, por isso não estudava só brincava), até a casa dos meus pais na Fundação Salazar, no bairro do Macurungo, rua 19, casa 19 meu berço, meu panteão.

Nas memórias mais recuadas da minha infância estão associadas ao bairro da Ponta Gêa (provavelmente há-de ter sido a nossa primeira residência na cidade da Beira, nos anexos do Éneas de Sousa Oliveira, Rosa Cândida Vieira Rodrigues, sogros do pintor Eugénio Lemos, amigos de meu pai, depois fomos ao Macúti, para os anexos da casa do Rafael Nunes de Carvalho, marido da dona Isabel, jornalista do Notícias da Beira também amigo do meu pai).

Sucessivamente revejo imagens do imponente e grandioso Grande Hotel, o florido e animado Jardim Bacalhau, o Automóvel Touring Club da Beira, as curiosas esculturas e peças de arte espalhadas pelos seus jardins e em algumas moradias, as casas coloniais de madeira dos Caminhos de Ferro da Beira, a imponente Catedral Gótica da Paróquia da Nossa Senhora do Rosário na alameda que sai da baixa ao Colégio Nossa Senhora dos Anjos onde fiz o colégio, a Catedral, depois é uma avenida despida até à Praça da Índia, o enorme campo de golfe do Goto, o Hospital Europeu, o Pavilhão dos Desportos da Beira, a Mocidade Portuguesa, a Biblioteca Calouste Gulbenkian, ah a Livraria São Paulo em cujos corredores descobri e fiz amizade eterna com a Mafalda de Quino e com a banda desenhada... muitas, mas muitas coisas mais.

Das pessoas vêm-me à memória algumas imagens, muito difusas mesmo, devia ter por aí três, quatro anos, numas por exemplo estou às costas da minha mãe, na Praça da Índia, da praça para os lados era um mar de alcatrão. A praça era uma encruzilhada a três: num canto sem saída estava o Restaurante Veleiro, no sentido Norte - Sul a marginal que vinha do Grande Hotel para o farol do Macúti, sentido Oeste - Este a estrada que vinha da Muchatazina e desembocava na praça. Sim dizia que estava com a minha mãe, e de um dos lados, que não consigo precisar, da praia pelo Veleiro, da Ponta Gêa é que não era, por que estávamos de costas para ela e apanhávamos o sol pela frente, logo estávamos de frente para as zonas do Palmeiras e Macúti. Vinha uma turba agitada, armada com paus e calhaus, furiosa em nossa direcção.

Bem não me lembro mas há-de ter sido de algum lado. A minha mãe quando a viu, deve ter ficado muito assustada porque segurou na testa, como fazem os adultos quando têm um grande problema e não consegue resolver, ou quando recebem uma notícia má, morte essas coisas assim. Bem, não adianta esforçar-me, recordo-me da minha mãe que não conseguiu segurar os esfíncteres e a turba passou ululante por nós sem nos fazer mal, pelo menos não me recordo de mais nada. Nunca falei com ninguém acerca deste episódio, muito menos com a minha mãe. Hoje tenho fortes motivos para crer que se tratava de um grupo das pessoas envolvidas no conflito entre duas tribos ribeirinhas do imponente Zambeze nos anos 70.

A chuva lá fora continua a cair, e água traz-me outra memória. Uma vez a nossa casa (os anexos da casa da Ponta Gêa que eram uma espécie de cave) ficaram alagados, não sei como recordo-me apenas de ver o meu pai a por cima do corrimão das escadas a tentar passar de um lado delas para outro, passando por cima da água.

Aquelas são as recordações mais remotas da minha infância. As mais recentes, vivas e estruturadas estão ligadas ao Macurungo, à casa 19 na rua 19 da Fundação Salazar, onde vivi boa parte da minha vida, viajei pelo mundo e aprendi uma boa parte do que sei hoje.