Farol do Macúti, Beira

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Monday, April 18, 2011

ONG's: As Novas Caravelas

Muito tem-se falado da cooperação entre povos e estados. A globalização a que muito se faz referência sempre existiu entre as nações e culturas no mundo. Sucede porém que algumas das nações mais ricas sempre desvirtuaram esta relação, transformando-a em relações desiguais e dominadoras das nações mais fraca e aparentemente pobres.

Sem querer recorrer aos compêndios da História Universal, principalmente porque se referem a coisas que não vivi, e não posso testemunhar, sem ser por Vou falar de algo que assisti e vivi, o que me permite escrever estas linhas sem ter necessidade de citar a ninguém, por isso me sinto seguro e confiante no que escrevo. Não duvido dos factos, personagens da História, simplesmente acho que hoje não me ajudariam muito.

Depois das independências, principalmente a partir da década setenta e durante a década oitenta as relações entre os povos eram de certa forma caracterizadas por algum entendimento entre os respectivos estados e povos. As relações com a África não eram excepção, aconteciam debaixo deste manto de graças da igualdade e respeito mútuo. Os problemas africanos na altura eram, imagine-se, os mesmos de hoje, de certa forma os africanos eram parte da solução dos seus problemas e nunca o problema de per si.

Em África, depois das independências, salvo raras excepções de países como Angola, Moçambique, o Chade, a Namíbia, a RSA, o Sahara Ocidental onde a existência de conflitos activos impediam o gozo pleno da autodeterminação o resto do continente vivia a Paz dos Anjos ou melhor a Paz dos Espíritos.

Com ou sem desvios, os problemas e necessidades básicas foram de alguma forma atendidos e supridos pelos novos governos: as taxas de escolarização e de acesso aos cuidados primários de saúde subiram. Efectivamente as taxas de analfabetismo e de mortalidade materna e infantil desceram. Os novos poderes cumpriam o seu papel (?). Nessa altura África era parte do 3.º Mundo, como o eram grande parte da América Latina e Ásia.

Naquela época as relações entre os governos africanos e seus pares europeus (principalmente) seguiam as normas aceites no concerto das nações. Em África cidadãos europeus trabalhavam ombro a ombro com os seus colegas africanos em relações de respeito, apesar de existirem algumas diferenças baseada e justificadas na diferença de condições entre a África e o país de origem. Apesar das diferenças os europeus aceitavam e respeitavam as diferenças e aceitavam a nossa condição de países soberanos e independentes.

No final da década de oitenta, num processo geralmente associado ao desaparecimento da URSS e final da Guerra Fria, o mundo acordou para uma nova era nas relações mundiais, a Ásia experimentou um boom económico, os Tigres, a Índia e o Paquistão, a China... ah! essa inventou um esquema que mistura Deus e o Diabo. Os ventos da mudança que sopraram depois da Guerra Fria não chegaram ao continente negro, em seu lugar foi-lhe imposta uma nova maneira de viver, a democracia e o pluralismo como condição sine qua non para o desenvolvimento. Se não foi imposto à Ásia, América Latina porque precisávamos nós africanos de condições?

No final da Guerra Fria a natureza das relações com a África e o mundo mudaram. Novos fenómenos e elementos surgem na relação. No início e a pretexto de ajuda da crise humanitária causada pelas condições atmosféricas adversas (a queda irregular de chuvas na região Austral, a desertificação do Sahel e a fome na Etiópia), por conflitos políticos (Moçambique, Angola) o continente ficou pejado de prestativas e solícitas agências de ajuda (ONG’s) que em muitos casos nada mais faziam que calcorrear de aldeia em aldeia, nas regiões em conflito agiam com uma imunidade no mínimo, tirando fotos e tomando notas que não partilhavam com os governos locais.

É importante referir que depois desta primeira vaga, que acontece logo após à queda da URSS as relações entre África, Europa e América entraram numa nova fase: O tom dos segundos tornou-se áspero e sobretudo autoritário e passaram a condicionar a sua ajuda: mudem isto, mudem aquilo, privatizem, façam eleições, sejam democratas... as exigências são entregues à África por instituições aparentemente neutras (o Fundo Monetário Internacional/Banco Mundial) que se converteram numa espécie de novos colonizadores para os países mais pobres, pois a partir desta fase são eles quem determina o que se faz e quando nos países pobres.

É neste contexto que acontece a segunda vaga, mais autónoma, maior e mais diversificada das solícitas organizações cujos membros, munidos de computadores e internet governam paralelamente com os seus estados de origem as nossas vidas e os nossos países. Estes grupos de pessoas que não respeitam as nossas tradições, cultura, a terra, as nossas autoridades, tal como há quase seis séculos os seus antepassados munidos da Bíblia e da Cruz o fizeram, são nada mais nada menos que os novos missionários de novas e modernas caravelas que se chamam ONG’s que uma vez mais a pretexto de ajudar, querem e estão a inaugurar uma nova era de domínio sobre a África e as suas gentes.

God Bless Africa! Which God Anna?

Wednesday, April 6, 2011

O paroxismo do absurdo. Somos responsáveis pela situação actual (2009). Em nome de não sei o quê, que vem de onde tratamos os nossos filhos de uma maneira perigosamente leviana, promíscua e irresponsável. 1. Não há nenhuma fronteira entre os pais e as crianças. Tratamos os nossos filhos como iguais: Belo! Os nossos filhos não têm essa perspectiva, assumem-se iguais a nós. Consequência: faltam respeito aos mais velhos, incluindo a nós; 2. Não as castigamos, conversamos com elas: Óptimo! Resultado. Sempre que precisamos de algo deles (bons resultados na escola, bom comportamento, respeito etc., etc.) recebemos em troca uma boa conversa.

Os castigos corporais, repreensões e outras medidas severas que nossos pais/avós nos aplicaram desde a nossa à adolescência contribuíram para a nossa personalidade e fortaleceram-nos o carácter. Hoje, em nome da modernidade, das novas correntes psicossociais e educacionais dirão que não é necessário esta hierarquização da família. É algo retrógrado, ultrapassado. Em nome da modernidade desapareceram, literalmente, as fronteiras entre as gerações os laços, as estruturas e normas familiares e de grupo não fazem nenhum sentido. Hoje na relação entre adultos e crianças apresentam-se da seguinte forma: adultos têm deveres e obrigações para com as crianças; as crianças têm apenas direitos nenhuns deveres e obrigações.

Mea culpa! Mea massima culpa! A modernidade é um desafio permanente. Não pode ser tomada sem preparo, as sociedades mais desenvolvidas mantêm algumas características imutáveis ao longo dos anos. A educação é uma delas. Por via da educação, uma sociedade, no conjunto das demais iguais ou concorrentes, se afirma e se perpetua como grupo. E
m qualquer período histórico a
s sociedades menos instruídas e pouco educadas são as mais atrasadas. Elas são conhecidas por comportamentos pouco civilizados e bárbaros.  Liguem as televisões e confiram.

Monday, April 4, 2011

Estou sem sono. São duas horas da madrugada, escuto música escrevo e de vez em quando jogo paciência. Estou sem sono. Grande novidade, a insónia é um dos meus grandes defeitos. Lá fora sopra e chove ocasionalmente. Brinco à polícia e ladrão com os mosquitos, apanho uns e outros apanham-me a mim.


Outros dormem, apenas eu e os músicos estamos acordados, dezenas deles, alguns já falecidos, mas hoje estão acordados e segredam-me os seus sucessos musicais. Babsy Mlageni, Steve Kekana, Mparanyana, Ladysmith & Black Mambazo, Osibisa, Ther Movers, Soul Brothers e muitos mais, mais recentes. Mas os antigos causam mais efeito. Às vezes fico com a impressão que o mecanismo da memória tem um interruptor: a música, que faz aparecer num ápice uma série de acontecimentos da vida das pessoas depositadas nos arquivos da memória. Quando escutamos certa música, os eventos passados despertam e lembramo-nos deles, algumas vezes reaparecem bastante nítidas, outras com partes mutiladas.

É surpreendente o que a música pode fazer com um tipo. Vêem-me à memória situações antigas, algumas desfilam como se tivessem acontecido na última tarde antes desta madrugada. Cenas passadas na minha infância, meus amigos, inimigos, com alguns dos quais ainda mantenho algum contacto. Outros, outros mesmo que quisesse. Porque, naturalmente (?) cada um seguiu o seu caminho, diferente do meu. Outros porque simplesmente (?) morreram, quem sabe talvez quando partir desta para outra.

Sinto saudades de todos eles. Dos bons, dos maus. Sinto saudades da minha infância, do meu quarto, da casa dos meus pais, do quintal, da minha rua, do meu bairro, da minha cidade. Do cheiro da comida às doze horas. Sentia o cheiro à comida e mesa posta desde a minha escola Colégio Nossa Senhora dos Anjos na Ponta-Gêa, onde brincava (estava no Infantil, por isso não estudava só brincava), até a casa dos meus pais na Fundação Salazar, no bairro do Macurungo, rua 19, casa 19 meu berço, meu panteão.

Nas memórias mais recuadas da minha infância estão associadas ao bairro da Ponta Gêa (provavelmente há-de ter sido a nossa primeira residência na cidade da Beira, nos anexos do Éneas de Sousa Oliveira, Rosa Cândida Vieira Rodrigues, sogros do pintor Eugénio Lemos, amigos de meu pai, depois fomos ao Macúti, para os anexos da casa do Rafael Nunes de Carvalho, marido da dona Isabel, jornalista do Notícias da Beira também amigo do meu pai).

Sucessivamente revejo imagens do imponente e grandioso Grande Hotel, o florido e animado Jardim Bacalhau, o Automóvel Touring Club da Beira, as curiosas esculturas e peças de arte espalhadas pelos seus jardins e em algumas moradias, as casas coloniais de madeira dos Caminhos de Ferro da Beira, a imponente Catedral Gótica da Paróquia da Nossa Senhora do Rosário na alameda que sai da baixa ao Colégio Nossa Senhora dos Anjos onde fiz o colégio, a Catedral, depois é uma avenida despida até à Praça da Índia, o enorme campo de golfe do Goto, o Hospital Europeu, o Pavilhão dos Desportos da Beira, a Mocidade Portuguesa, a Biblioteca Calouste Gulbenkian, ah a Livraria São Paulo em cujos corredores descobri e fiz amizade eterna com a Mafalda de Quino e com a banda desenhada... muitas, mas muitas coisas mais.

Das pessoas vêm-me à memória algumas imagens, muito difusas mesmo, devia ter por aí três, quatro anos, numas por exemplo estou às costas da minha mãe, na Praça da Índia, da praça para os lados era um mar de alcatrão. A praça era uma encruzilhada a três: num canto sem saída estava o Restaurante Veleiro, no sentido Norte - Sul a marginal que vinha do Grande Hotel para o farol do Macúti, sentido Oeste - Este a estrada que vinha da Muchatazina e desembocava na praça. Sim dizia que estava com a minha mãe, e de um dos lados, que não consigo precisar, da praia pelo Veleiro, da Ponta Gêa é que não era, por que estávamos de costas para ela e apanhávamos o sol pela frente, logo estávamos de frente para as zonas do Palmeiras e Macúti. Vinha uma turba agitada, armada com paus e calhaus, furiosa em nossa direcção.

Bem não me lembro mas há-de ter sido de algum lado. A minha mãe quando a viu, deve ter ficado muito assustada porque segurou na testa, como fazem os adultos quando têm um grande problema e não consegue resolver, ou quando recebem uma notícia má, morte essas coisas assim. Bem, não adianta esforçar-me, recordo-me da minha mãe que não conseguiu segurar os esfíncteres e a turba passou ululante por nós sem nos fazer mal, pelo menos não me recordo de mais nada. Nunca falei com ninguém acerca deste episódio, muito menos com a minha mãe. Hoje tenho fortes motivos para crer que se tratava de um grupo das pessoas envolvidas no conflito entre duas tribos ribeirinhas do imponente Zambeze nos anos 70.

A chuva lá fora continua a cair, e água traz-me outra memória. Uma vez a nossa casa (os anexos da casa da Ponta Gêa que eram uma espécie de cave) ficaram alagados, não sei como recordo-me apenas de ver o meu pai a por cima do corrimão das escadas a tentar passar de um lado delas para outro, passando por cima da água.

Aquelas são as recordações mais remotas da minha infância. As mais recentes, vivas e estruturadas estão ligadas ao Macurungo, à casa 19 na rua 19 da Fundação Salazar, onde vivi boa parte da minha vida, viajei pelo mundo e aprendi uma boa parte do que sei hoje.